5º Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana
Dr George Guimarães, nutricionista especializado em dietas vegetarianas
Abril de 2008
www.nutriveg.com.br
Acontece a cada 5 ou 6 anos na Universidade de Loma Linda, localizada ao sul da Califórnia na cidade que dá nome à universidade, onde profissionais de saúde de todo o mundo reunem-se para o International Congress on Vegetarian Nutrition (Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana).
Loma Linda é uma cidade que gira em torno da universidade, a qual segue os princípios da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Em todo o campus da universidade, que oferece dezenas de cursos com o foco majoritário na área da saúde, é proibida a venda de produtos cárneos, o que faz do campus universitário um oásis vegetariano, ainda que seja em uma região onde este refúgio não seja tão contrastante, já que o vegetarianismo é atualmente uma prática bastante comum na Califórnia. Mas o fato é que a universidade é ovo-lacto-vegetariana, onde todos os alunos e funcionários da universidade assinam um termo onde declaram que seguirão um estilo de vida adventista, o que inclui a adesão a uma dieta vegetariana. Tudo isso faz da Universidade de Loma Linda, que abriga alguns dos autores mais importantes na área da nutrição vegetariana, o cenário ideal para sediar o Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana.
A quinta edição do evento aconteceu entre os dias 4 e 6 de março de 2008, seis anos após a quarta edição (2002). Os números esse ano bateram recordes se comparados a todas as edições anteriores: 725 pessoas vindas de 45 países lotaram o Drayson Center para assistir às apresentações de 70 palestrantes vindos de todos os continentes e ainda puderam observar a exposição de outros 50 trabalhos apresentados na forma de pôster. A quarta edição do Congresso (2002) recebeu apenas 400 pessoas, tendo o baixo comparecimento sido atribuído ao fato do evento ter acontecido a menos de um ano após o 11 de setembro de 2001, quando muitas pessoas evitavam viajar para os EUA. Durante a terceira (1997), a primeira das três das quais eu já tive a oportunidade de participar, foram registrados números maiores que em 2002.
Desde então, a participação nesse que é certamente o evento mais importate no campo da nutrição vegetariana se tornou uma prioridade para o meu aprimoramento profissional, pelo aprendizado e troca com profissionais de todo o mundo que o evento permite, inclusive brasileiros aos quais até então eu não havia sido apresentado. Nessa quinta edição estiveram presentes ao menos sete brasileiros que trabalham com alimentação vegetariana, seja na área clínica ou na área educacional/pedagógica, como é o caso da nutricionista e professora universitária Márcia Matins, que também participa do congresso desde a sua terceira edição. Já outros desses brasileiros residem nos EUA, como a nutricionista Margarete Carneiro, que se formou em Loma Linda e atualmente trabalha no centro médico da universidade. Há ainda os participantes que residem no Brasil, mas não são brasileiros, como é o caso do médico Julio Navarro, cardiologista peruano doutorado pelo Instituto do Coração, em São Paulo, que nessa edição do congresso fez uma apresentação sobre as pesquisas com vegetarianos na América Latina. Aliás, essa é a segunda vez que o Brasil é representado nesse congresso, tendo sido a primeira vez em 2002, quando apresentamos (George Guimarães, Julio Navarro e Marcia Martins) um trabalho que investigou o estado nutricional e de saúde cardiovascular de dezenas de vegetarianos residentes na cidade de São Paulo.
Como sempre acontece, os trabalhos apresentados em 2008 explorararam desde aspectos clínicos e de ingestão nutricional até achados epidemiólogicos de estudos recentes, como os resultados do Adventist Health Study 2 (AHS-2), que já soma 97 mil indivíduos em estudo. Este é, aliás, o estudo epidmiológico que reúne o maior número de veganos do que qualquer outro, totalizando mais de 4.500 indivíduos optantes por esse estilo alimentar. Gary Fraser, cardiologista e epidemiologista neo-zelandês, apresentou em primeira mão alguns dos resultados ainda não publicados do AHS-2, trazendo dados sobre diabetes, hipertensão arterial e mortalidade, entre outros. O estudo revela que, dentre os adventistas do sétimo dia nos EUA 4,6% são veganos, 32% são ovo-lacto-vegetarianos (OLVEGs) e o restante está distrubuído em diferentes sub-grupos que adotam uma dieta onívora.
Um achado importante do AHS-2 trata do consumo de frutas e vegetais pelos vegetarianos, que mostra que os OLVEGs consomem 19% mais frutas e vegetais do que os onívoros e os veganos 42% mais. Curiosamente, aqueles que se declaram semi-vegetarianos (consomem carne menos que 3 vezes por semana) comem 4% menos frutas e vegetais do que os outros onívoros.
Um dos dados do AHS-2 que chamou a minha atenção foi referente ao índice de massa corpórea (IMC) de veganos, OLVEGs e onívoros. Os resultados mostram que os ovo-lacto-vegetarianos adventistas nos EUA apresentam um IMC médio de 25,5 (mulheres) e 25,9 (homens), o que caracteriza sobrepeso (o IMC é considerado saudável entre 20 e 25). A média para os onívoros estava acima dessa marca, sendo os veganos o único grupo dietético a apresentar um IMC dentro da faixa da normalidade: 23,2 (mulheres) e 23,6 (homens). Esses dados referem-se à população norte-americana e certamente diferem dos achados de estudos europeus, por exemplo. Ainda assim, são muito úteis para olharmos para além da população norte-americana, sendo um indicativo de que no que diz respeito ao peso corporal, mesmo quando inseridos em uma sociedade imersa em hábitos alimentares distantes do saudável, os veganos apresentam melhores índices se comparados aos OLVEGs e ainda melhor quando comparados aos onívoros. Como já foi mencionado, esses resultados referem-se a achados verificados durante os primeiros meses de 2008 e que ainda não foram publicados pelos autores. Eles estão sendo relatados em primeira mão na Revista dos Vegetarianos.
Como é característica dos estudos dentro da comunidade adventista (que é a ppulação-alvo de preferência para a investigação científica em nutrição vegtariana), muitos dos estudos apresentados buscam investigar a importância do consumo de alimentos integrais em comparação a um padrão alimentar rico em alimentos processados e ao uso de suplementos alimentares. David Jacobs nos lembrou um pouco sobre a história da evolução da ciência nutricional, que teve grande desenvolvimento no estudo de doenças de carências nutricionais, o que atribuiu à nutrição uma visão simplista dos nutrientes. Na medida em que a investigação científica passa a questionar quais aspectos da dieta contribuem positiva ou negativamente para a prevenção de doenças crônicas e degenerativas, um outro olhar é possível. Para isso, é a observação dos padrões alimentares ao invés da avaliação da composição nutricional no nível microscópico que traz à luz os dados epidemiológicos de utilidade para aqueles que pretendem propor intervenções eficientes para a melhora do estado de saúde da população. A conclusão de Jacobs é que o estudo dos alimentos é mais importante do que o estudo dos nutrientes e que o uso de um suplemento isolado não é capaz de exercer sobre a saúde o mesmo efeito do qual é capaz de exercer um alimento em seu estado integral, contendo esse mesmo nutriente porém em sinergia com as outras características do próprio alimento em seu estado (relativamente) intacto.
Tema semelhante foi explorado por Winston Craig, quem nos trouxe informações importantes sobre suas novas descobertas sobre o papel protetor dos fitoquímicos (que são substâncias enumeradas aos milhares presentes nos vegetais) na prevenção de doenças como o câncer, diabetes e doenças do coração, entre outras. Craig atualmente estuda o papel protetor de frutas tidas nos EUA como exóticas, mas bastante conhecidas dos brasileiros: açaí, goiaba, maracujá, romã, cupuaçu e carambola, entre outras de origem asiática.
Os nutricionistas Mark Messina, Ella Haddad e Amy Lanou apontaram as estratégias que devem ser implementadas para levar o tema e o valor da nutrição vegetariana para os guias alimentares propostos pelo governo. “Apesar dos guias alimentares norte-americanos fazerem referência à dieta vegetariana como sendo uma opção capaz de suprir as necessidades nutricionais do indivíduo, eles não vão além ao ponto de recomendar a dieta vegetariana como uma opção de alimentação saudável”, declarou Ella Haddad. No Brasil, a situação é parecida, porém com o agravante da dieta vegetariana ser citada de maneira muito mais sucinta em nosso guia alimentar, destinado a orientar a população brasileira sobre o que os especialistas consideram ser bons hábitos alimentares. Amy Lanou orientou que, para levar à população a recomendação de que a dieta vegetariana é uma opção saudável, os profissionais que defendem esta posição devem trabalhar para levar representantes para os comitês de decisão, educar o público sobre o tema e traçar estratégias para fazer frente à argumentação dos setores da indústria que lucram com a promoção de hábitos alimentares distantes de serem saudáveis.
Por via de uma videoconferência em linha direta com a Universidade de Harvard, o epidemiologista Walter Willet falou sobre as perspectivas em envelhecimento e longevidade trazidas pela dieta vegetariana. A sucessão de gráficos e tabelas projetada aos 725 presentes reunia dados que mostravam o poder da dieta vegetariana na prevenção e reversão de doenças crônicas e degenerativas, iluminando o papel das dietas vegetarianas no retardo do processo de envelhecimento e prolongamento da expectativa e qualidade de vida.
Neal Barnard, presidente do PCRM (Physician’s Committee for Responsible Medicine – Comitê de Médicos por uma Medicina Responsável), ONG que atua na pesquisa e promoção de dietas vegetarianas e no desenvolvimento de métodos substitutivos ao modelo animal, apresentou os resultados de seu trabalho que investiga os benefícios de uma dieta vegetariana para pacientes com diabetes. Seguindo uma dieta vegana, os pacientes que participaram de um estudo realizado em 2005 puderam reduzir ou eliminar o uso de medicamentos hipoglicêmicos. Em comparação ao grupo de controle que seguiu uma dieta padrão da Associação Americana de Diabetes, o grupo vegano apresentou maior redução no IMC e no colesterol LDL. O médico norte-americano relatou ainda sobre a sua experiência orientando pacientes para retirarem os laticínios da dieta: “eu passei a observar que, ao lhes ser proposto para que deixassem o consumo de laticínios, muitos reagem da mesma maneira que quando confrontados com o desafio de deixar o cigarro”, contou ele. A partir disso, ele passou a tratar do tema como um vício: “A diferença está entre fazer uma recomendação simples e ter a expectativa de que a pessoa seguirá esta recomendação por força própria ou, dando ao assunto um tratamento mais sério, oferecer a ela as ferramentas necessárias, tais como suporte psicológico através de grupos de apoio e aulas de culinária”.
A nutricionista Amy Lanou, também do PCRM, trouxe a questão sobre a necessidade da inclusão dos laticínios na dieta vegetariana. Lembrando que os nutrientes dos quais precisamos estão presentes em outros alimentos que não os laticínios, Lanou relatou uma série de estudos que relacionam os laticínios ao desenvolvimento do câncer de próstata e outras formas de câncer, doenças auto-imunes, acne, alergias, infecções recorrentes, obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, entre outras. Ela concluiu a apresentação lembrando que o leite não é um alimento barato se forem contabilizados os custos do impacto ambiental causado pela sua produção.
O presidente do 5º Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana, Joan Sabaté, espanhol residente em Loma Linda, mostrou os resultados de seus estudos mais recentes sobre o papel das nozes, castanhas e outras oleaginosas (que são a sua área de especialidade) na prevenção de doenças crônicas e degenerativas. Os dados mostram o importante papel das oleaginosas na prevenção dos cânceres de cólon, reto e próstata, além do seu papel de prevenção e reversão de doenças do coração. Os resultados para outros cânceres se mostraram ainda inconclusivos. Quanto aos mecanismos que afetam positivamente a saúde cardiovascular, Sabaté indicou que o consumo das oleaginosas melhora o perfil de lípides sangüíneos e outros fatores de risco cardiovascular. Para as mulheres, o consumo das castanhas e nozes provou ter efeito protetor contra o diabetes. Ao contrário do mito popular, o consumo moderado de castanhas, em quantidade suficiente para obter os resultados descritos, não está relacionado ao risco de obesidade.
Os alertas sobre os riscos relativos à baixa ingestão da vitamina B12, especialmente entre a população vegana, foram reforçados em algumas das apresentações. O alerta principal diz respeito à elevação dos níveis de homocisteína (o que ocorre quando a ingestão da vitamina B12 é baixa), o que coloca os veganos em um grupo de risco cardiovascular semelhante ao dos onívoros, pois a proteção conquistada com a redução dos níveis de gordura e colesterol é contraposta pelo risco decorrente da elevação dos níveis sangüíneos de homocisteína. Tim Key, epidemiologista da Universidade de Oxford (Inglaterra) e vegano há 30 anos tocou nesse ponto e ainda alertou para a baixa ingestão de ácidos graxos ômega-3 pelos veganos em geral e de cálcio para os veganos que não mantêm um bom planejamento alimentar.
Durante o banquete que acontece sempre na segunda noite do congresso, foi prestado um tributo a Mervyn Hardinge, nada menos do que o primeiro autor a explorar o tema da nutrição vegetariana em uma publicação científica. Hardinge, que é vivo e muito lúcido, publicou em 1954 pela Universidade de Harvard o artigo intitulado The adequacy of the vegetarian diet (A adequação da dieta vegetariana). Quem desejar saber mais sobre a vida de Hardinge pode procurar por seu livro autobiográfico My Unexpected Life.
Como se não bastasse a maratona de 3 dias escutando aos maiores especialistas do mundo na área, logo em seguida ao Congresso (já na mesma noite) teve início na mesma universidade a Conferência de Nutrição Adventista. Com duração de 3 dias e contando com 22 palestrantes, a conferência reuniu 275 pessoas. O tema principal foi o mesmo, completado por palestras de igual riqueza e diferente conteúdo. O diferencial foi que nessa ocasião foi dada ênfase às práticas alimentares características do estilo de vida adventista.
Ponto negativo para os organizadores que permitiram a presença de autores que baseiam seus estudos em modelos de pesquisas com animais, cujos resultados em nada servem para inferir conclusões aplicadas à saúde humana. Apesar de terem sido usados em menos de 10% das apresentações, a referência a estudos com animais em um congresso dessa natureza é, na minha opinião, inadmissível. Eu tive o cuidado de deixar registrada a minha crítica ao fazer o uso da palavra no microfone que se colocava disponível para perguntas e comentários, dirigindo as críticas diretamente aos organizadores e aos vivisseccionistas ainda no palco. Esclareço ainda que todos os estudos citados neste relatório não fizeram referência ao uso de animais, já que as informações advindas destes foram devidamente desconsideradas.
Considerando que sentimos-nos por vezes agindo de maneira isolada na luta contra o preconceito e ceticismo acadêmicos e populares sobre o tema da nutrição vegetariana e igualmente solitários na missão de levar a mensagem de que as dietas vegetarianas são , além de adequadas, também benéficas para a saúde humana, é maravilhoso poder encontrar pessoalmente profissionais conceituados como Neal Barnard (PCRM), Amy Lanou (PCRM), Mark Messina, Vesanto Melina, Brenda Davis, Reed Mangels (VRG), George Eismann e outros profissionais menos ilustres de todo o mundo e que têm na nutrição vegetariana a sua área de interesse e pesquisa. Oportunidades como esta servem não apenas para ampliar o conhecimento científico sobre o tema e assim melhorar o atendimento aos pacientes vegetarianos e à mídia interessada no assunto, mas também para formar e ampliar redes duradouras entre aqueles que passam a saber que têm milhares de companheiros nesta missão aparentemente solitária. Essa luta, que já teve muitos pioneiros e que já passa a configurar como um tema de vanguarda, não demorará a ser uma área de exploração e debate comum entre os pesquisadores que pretendem em sua investigação encontrar a proposição de estratégias de utilidade para a saúde da população e do planeta. A nutrição vegetariana não demorará a ser uma área de interesse comum também entre os profissionais de saúde que se dispõem a orientar os seus pacientes de maneira despreconceituosa e desapegada de valores “tradicionais” que em nada contribuem para o objetivo da promoção da saúde do indivíduo. Os indivíduos que buscam a orientação desses profissionais têm muito mais a ganhar se orientados com estratégias que, estudo após estudo, provam-se benéficas em relação aos mais variados aspectos da saúde do que se forem mantidos alienados aos achados da nutrição vegetariana, achados estes que gozam de vasto embasamento científico.
Dr George Guimarães, nutricionista especializado em dietas vegetarianas
Abril de 2008
www.nutriveg.com.br
Acontece a cada 5 ou 6 anos na Universidade de Loma Linda, localizada ao sul da Califórnia na cidade que dá nome à universidade, onde profissionais de saúde de todo o mundo reunem-se para o International Congress on Vegetarian Nutrition (Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana).
Loma Linda é uma cidade que gira em torno da universidade, a qual segue os princípios da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Em todo o campus da universidade, que oferece dezenas de cursos com o foco majoritário na área da saúde, é proibida a venda de produtos cárneos, o que faz do campus universitário um oásis vegetariano, ainda que seja em uma região onde este refúgio não seja tão contrastante, já que o vegetarianismo é atualmente uma prática bastante comum na Califórnia. Mas o fato é que a universidade é ovo-lacto-vegetariana, onde todos os alunos e funcionários da universidade assinam um termo onde declaram que seguirão um estilo de vida adventista, o que inclui a adesão a uma dieta vegetariana. Tudo isso faz da Universidade de Loma Linda, que abriga alguns dos autores mais importantes na área da nutrição vegetariana, o cenário ideal para sediar o Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana.
A quinta edição do evento aconteceu entre os dias 4 e 6 de março de 2008, seis anos após a quarta edição (2002). Os números esse ano bateram recordes se comparados a todas as edições anteriores: 725 pessoas vindas de 45 países lotaram o Drayson Center para assistir às apresentações de 70 palestrantes vindos de todos os continentes e ainda puderam observar a exposição de outros 50 trabalhos apresentados na forma de pôster. A quarta edição do Congresso (2002) recebeu apenas 400 pessoas, tendo o baixo comparecimento sido atribuído ao fato do evento ter acontecido a menos de um ano após o 11 de setembro de 2001, quando muitas pessoas evitavam viajar para os EUA. Durante a terceira (1997), a primeira das três das quais eu já tive a oportunidade de participar, foram registrados números maiores que em 2002.
Desde então, a participação nesse que é certamente o evento mais importate no campo da nutrição vegetariana se tornou uma prioridade para o meu aprimoramento profissional, pelo aprendizado e troca com profissionais de todo o mundo que o evento permite, inclusive brasileiros aos quais até então eu não havia sido apresentado. Nessa quinta edição estiveram presentes ao menos sete brasileiros que trabalham com alimentação vegetariana, seja na área clínica ou na área educacional/pedagógica, como é o caso da nutricionista e professora universitária Márcia Matins, que também participa do congresso desde a sua terceira edição. Já outros desses brasileiros residem nos EUA, como a nutricionista Margarete Carneiro, que se formou em Loma Linda e atualmente trabalha no centro médico da universidade. Há ainda os participantes que residem no Brasil, mas não são brasileiros, como é o caso do médico Julio Navarro, cardiologista peruano doutorado pelo Instituto do Coração, em São Paulo, que nessa edição do congresso fez uma apresentação sobre as pesquisas com vegetarianos na América Latina. Aliás, essa é a segunda vez que o Brasil é representado nesse congresso, tendo sido a primeira vez em 2002, quando apresentamos (George Guimarães, Julio Navarro e Marcia Martins) um trabalho que investigou o estado nutricional e de saúde cardiovascular de dezenas de vegetarianos residentes na cidade de São Paulo.
Como sempre acontece, os trabalhos apresentados em 2008 explorararam desde aspectos clínicos e de ingestão nutricional até achados epidemiólogicos de estudos recentes, como os resultados do Adventist Health Study 2 (AHS-2), que já soma 97 mil indivíduos em estudo. Este é, aliás, o estudo epidmiológico que reúne o maior número de veganos do que qualquer outro, totalizando mais de 4.500 indivíduos optantes por esse estilo alimentar. Gary Fraser, cardiologista e epidemiologista neo-zelandês, apresentou em primeira mão alguns dos resultados ainda não publicados do AHS-2, trazendo dados sobre diabetes, hipertensão arterial e mortalidade, entre outros. O estudo revela que, dentre os adventistas do sétimo dia nos EUA 4,6% são veganos, 32% são ovo-lacto-vegetarianos (OLVEGs) e o restante está distrubuído em diferentes sub-grupos que adotam uma dieta onívora.
Um achado importante do AHS-2 trata do consumo de frutas e vegetais pelos vegetarianos, que mostra que os OLVEGs consomem 19% mais frutas e vegetais do que os onívoros e os veganos 42% mais. Curiosamente, aqueles que se declaram semi-vegetarianos (consomem carne menos que 3 vezes por semana) comem 4% menos frutas e vegetais do que os outros onívoros.
Um dos dados do AHS-2 que chamou a minha atenção foi referente ao índice de massa corpórea (IMC) de veganos, OLVEGs e onívoros. Os resultados mostram que os ovo-lacto-vegetarianos adventistas nos EUA apresentam um IMC médio de 25,5 (mulheres) e 25,9 (homens), o que caracteriza sobrepeso (o IMC é considerado saudável entre 20 e 25). A média para os onívoros estava acima dessa marca, sendo os veganos o único grupo dietético a apresentar um IMC dentro da faixa da normalidade: 23,2 (mulheres) e 23,6 (homens). Esses dados referem-se à população norte-americana e certamente diferem dos achados de estudos europeus, por exemplo. Ainda assim, são muito úteis para olharmos para além da população norte-americana, sendo um indicativo de que no que diz respeito ao peso corporal, mesmo quando inseridos em uma sociedade imersa em hábitos alimentares distantes do saudável, os veganos apresentam melhores índices se comparados aos OLVEGs e ainda melhor quando comparados aos onívoros. Como já foi mencionado, esses resultados referem-se a achados verificados durante os primeiros meses de 2008 e que ainda não foram publicados pelos autores. Eles estão sendo relatados em primeira mão na Revista dos Vegetarianos.
Como é característica dos estudos dentro da comunidade adventista (que é a ppulação-alvo de preferência para a investigação científica em nutrição vegtariana), muitos dos estudos apresentados buscam investigar a importância do consumo de alimentos integrais em comparação a um padrão alimentar rico em alimentos processados e ao uso de suplementos alimentares. David Jacobs nos lembrou um pouco sobre a história da evolução da ciência nutricional, que teve grande desenvolvimento no estudo de doenças de carências nutricionais, o que atribuiu à nutrição uma visão simplista dos nutrientes. Na medida em que a investigação científica passa a questionar quais aspectos da dieta contribuem positiva ou negativamente para a prevenção de doenças crônicas e degenerativas, um outro olhar é possível. Para isso, é a observação dos padrões alimentares ao invés da avaliação da composição nutricional no nível microscópico que traz à luz os dados epidemiológicos de utilidade para aqueles que pretendem propor intervenções eficientes para a melhora do estado de saúde da população. A conclusão de Jacobs é que o estudo dos alimentos é mais importante do que o estudo dos nutrientes e que o uso de um suplemento isolado não é capaz de exercer sobre a saúde o mesmo efeito do qual é capaz de exercer um alimento em seu estado integral, contendo esse mesmo nutriente porém em sinergia com as outras características do próprio alimento em seu estado (relativamente) intacto.
Tema semelhante foi explorado por Winston Craig, quem nos trouxe informações importantes sobre suas novas descobertas sobre o papel protetor dos fitoquímicos (que são substâncias enumeradas aos milhares presentes nos vegetais) na prevenção de doenças como o câncer, diabetes e doenças do coração, entre outras. Craig atualmente estuda o papel protetor de frutas tidas nos EUA como exóticas, mas bastante conhecidas dos brasileiros: açaí, goiaba, maracujá, romã, cupuaçu e carambola, entre outras de origem asiática.
Os nutricionistas Mark Messina, Ella Haddad e Amy Lanou apontaram as estratégias que devem ser implementadas para levar o tema e o valor da nutrição vegetariana para os guias alimentares propostos pelo governo. “Apesar dos guias alimentares norte-americanos fazerem referência à dieta vegetariana como sendo uma opção capaz de suprir as necessidades nutricionais do indivíduo, eles não vão além ao ponto de recomendar a dieta vegetariana como uma opção de alimentação saudável”, declarou Ella Haddad. No Brasil, a situação é parecida, porém com o agravante da dieta vegetariana ser citada de maneira muito mais sucinta em nosso guia alimentar, destinado a orientar a população brasileira sobre o que os especialistas consideram ser bons hábitos alimentares. Amy Lanou orientou que, para levar à população a recomendação de que a dieta vegetariana é uma opção saudável, os profissionais que defendem esta posição devem trabalhar para levar representantes para os comitês de decisão, educar o público sobre o tema e traçar estratégias para fazer frente à argumentação dos setores da indústria que lucram com a promoção de hábitos alimentares distantes de serem saudáveis.
Por via de uma videoconferência em linha direta com a Universidade de Harvard, o epidemiologista Walter Willet falou sobre as perspectivas em envelhecimento e longevidade trazidas pela dieta vegetariana. A sucessão de gráficos e tabelas projetada aos 725 presentes reunia dados que mostravam o poder da dieta vegetariana na prevenção e reversão de doenças crônicas e degenerativas, iluminando o papel das dietas vegetarianas no retardo do processo de envelhecimento e prolongamento da expectativa e qualidade de vida.
Neal Barnard, presidente do PCRM (Physician’s Committee for Responsible Medicine – Comitê de Médicos por uma Medicina Responsável), ONG que atua na pesquisa e promoção de dietas vegetarianas e no desenvolvimento de métodos substitutivos ao modelo animal, apresentou os resultados de seu trabalho que investiga os benefícios de uma dieta vegetariana para pacientes com diabetes. Seguindo uma dieta vegana, os pacientes que participaram de um estudo realizado em 2005 puderam reduzir ou eliminar o uso de medicamentos hipoglicêmicos. Em comparação ao grupo de controle que seguiu uma dieta padrão da Associação Americana de Diabetes, o grupo vegano apresentou maior redução no IMC e no colesterol LDL. O médico norte-americano relatou ainda sobre a sua experiência orientando pacientes para retirarem os laticínios da dieta: “eu passei a observar que, ao lhes ser proposto para que deixassem o consumo de laticínios, muitos reagem da mesma maneira que quando confrontados com o desafio de deixar o cigarro”, contou ele. A partir disso, ele passou a tratar do tema como um vício: “A diferença está entre fazer uma recomendação simples e ter a expectativa de que a pessoa seguirá esta recomendação por força própria ou, dando ao assunto um tratamento mais sério, oferecer a ela as ferramentas necessárias, tais como suporte psicológico através de grupos de apoio e aulas de culinária”.
A nutricionista Amy Lanou, também do PCRM, trouxe a questão sobre a necessidade da inclusão dos laticínios na dieta vegetariana. Lembrando que os nutrientes dos quais precisamos estão presentes em outros alimentos que não os laticínios, Lanou relatou uma série de estudos que relacionam os laticínios ao desenvolvimento do câncer de próstata e outras formas de câncer, doenças auto-imunes, acne, alergias, infecções recorrentes, obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, entre outras. Ela concluiu a apresentação lembrando que o leite não é um alimento barato se forem contabilizados os custos do impacto ambiental causado pela sua produção.
O presidente do 5º Congresso Internacional de Nutrição Vegetariana, Joan Sabaté, espanhol residente em Loma Linda, mostrou os resultados de seus estudos mais recentes sobre o papel das nozes, castanhas e outras oleaginosas (que são a sua área de especialidade) na prevenção de doenças crônicas e degenerativas. Os dados mostram o importante papel das oleaginosas na prevenção dos cânceres de cólon, reto e próstata, além do seu papel de prevenção e reversão de doenças do coração. Os resultados para outros cânceres se mostraram ainda inconclusivos. Quanto aos mecanismos que afetam positivamente a saúde cardiovascular, Sabaté indicou que o consumo das oleaginosas melhora o perfil de lípides sangüíneos e outros fatores de risco cardiovascular. Para as mulheres, o consumo das castanhas e nozes provou ter efeito protetor contra o diabetes. Ao contrário do mito popular, o consumo moderado de castanhas, em quantidade suficiente para obter os resultados descritos, não está relacionado ao risco de obesidade.
Os alertas sobre os riscos relativos à baixa ingestão da vitamina B12, especialmente entre a população vegana, foram reforçados em algumas das apresentações. O alerta principal diz respeito à elevação dos níveis de homocisteína (o que ocorre quando a ingestão da vitamina B12 é baixa), o que coloca os veganos em um grupo de risco cardiovascular semelhante ao dos onívoros, pois a proteção conquistada com a redução dos níveis de gordura e colesterol é contraposta pelo risco decorrente da elevação dos níveis sangüíneos de homocisteína. Tim Key, epidemiologista da Universidade de Oxford (Inglaterra) e vegano há 30 anos tocou nesse ponto e ainda alertou para a baixa ingestão de ácidos graxos ômega-3 pelos veganos em geral e de cálcio para os veganos que não mantêm um bom planejamento alimentar.
Durante o banquete que acontece sempre na segunda noite do congresso, foi prestado um tributo a Mervyn Hardinge, nada menos do que o primeiro autor a explorar o tema da nutrição vegetariana em uma publicação científica. Hardinge, que é vivo e muito lúcido, publicou em 1954 pela Universidade de Harvard o artigo intitulado The adequacy of the vegetarian diet (A adequação da dieta vegetariana). Quem desejar saber mais sobre a vida de Hardinge pode procurar por seu livro autobiográfico My Unexpected Life.
Como se não bastasse a maratona de 3 dias escutando aos maiores especialistas do mundo na área, logo em seguida ao Congresso (já na mesma noite) teve início na mesma universidade a Conferência de Nutrição Adventista. Com duração de 3 dias e contando com 22 palestrantes, a conferência reuniu 275 pessoas. O tema principal foi o mesmo, completado por palestras de igual riqueza e diferente conteúdo. O diferencial foi que nessa ocasião foi dada ênfase às práticas alimentares características do estilo de vida adventista.
Ponto negativo para os organizadores que permitiram a presença de autores que baseiam seus estudos em modelos de pesquisas com animais, cujos resultados em nada servem para inferir conclusões aplicadas à saúde humana. Apesar de terem sido usados em menos de 10% das apresentações, a referência a estudos com animais em um congresso dessa natureza é, na minha opinião, inadmissível. Eu tive o cuidado de deixar registrada a minha crítica ao fazer o uso da palavra no microfone que se colocava disponível para perguntas e comentários, dirigindo as críticas diretamente aos organizadores e aos vivisseccionistas ainda no palco. Esclareço ainda que todos os estudos citados neste relatório não fizeram referência ao uso de animais, já que as informações advindas destes foram devidamente desconsideradas.
Considerando que sentimos-nos por vezes agindo de maneira isolada na luta contra o preconceito e ceticismo acadêmicos e populares sobre o tema da nutrição vegetariana e igualmente solitários na missão de levar a mensagem de que as dietas vegetarianas são , além de adequadas, também benéficas para a saúde humana, é maravilhoso poder encontrar pessoalmente profissionais conceituados como Neal Barnard (PCRM), Amy Lanou (PCRM), Mark Messina, Vesanto Melina, Brenda Davis, Reed Mangels (VRG), George Eismann e outros profissionais menos ilustres de todo o mundo e que têm na nutrição vegetariana a sua área de interesse e pesquisa. Oportunidades como esta servem não apenas para ampliar o conhecimento científico sobre o tema e assim melhorar o atendimento aos pacientes vegetarianos e à mídia interessada no assunto, mas também para formar e ampliar redes duradouras entre aqueles que passam a saber que têm milhares de companheiros nesta missão aparentemente solitária. Essa luta, que já teve muitos pioneiros e que já passa a configurar como um tema de vanguarda, não demorará a ser uma área de exploração e debate comum entre os pesquisadores que pretendem em sua investigação encontrar a proposição de estratégias de utilidade para a saúde da população e do planeta. A nutrição vegetariana não demorará a ser uma área de interesse comum também entre os profissionais de saúde que se dispõem a orientar os seus pacientes de maneira despreconceituosa e desapegada de valores “tradicionais” que em nada contribuem para o objetivo da promoção da saúde do indivíduo. Os indivíduos que buscam a orientação desses profissionais têm muito mais a ganhar se orientados com estratégias que, estudo após estudo, provam-se benéficas em relação aos mais variados aspectos da saúde do que se forem mantidos alienados aos achados da nutrição vegetariana, achados estes que gozam de vasto embasamento científico.